Cirurgia do Diabetes Tipo 2 é capaz de curar a doença
O termo obesidade mórbida é
conhecido para designar a gordura corporal excessiva, que traz consequências
para a saúde. São pessoas com índice de massa corpórea (IMC = peso/altura²)
maior que 35 kg/m² com doenças associadas ou acima de 40 kg/m² ( IMC normal
entre 19 e 24,9 kg/m²; sobrepeso de 25, 1 a 29,9 kg/m²).
A cirurgia
bariátrica, também conhecida como cirurgia da obesidade ou mais
popularmente redução de estômago, reúne técnicas com respaldo científico
destinadas ao tratamento da obesidade e das doenças associadas ao excesso de
gordura corporal ou agravadas por ele como diabetes
mellitus tipo 2 (DMT2), hipertensão,artroses,
infertilidade, apneia do sono, etc.
As operações bariátricas tem mais de 40 anos de utilização segura no Brasil e
são sem dúvidas as formas de tratamento mais eficazes para a perda de peso a
longo prazo quando os tratamentos clínicos falham.
Porém um novo conceito tem
chamado atenção dos médicos: a obesidade maligna. Esses indivíduos podem ter
IMC a partir ou ao redor de 30 kg/m², caracterizando obesidade leve, mas sofrem
com as doenças agravadas pelo excesso de peso, principalmente o diabetes e a
hipertensão. São casos em que a gravidade das doenças associadas não tem
relação direta com o IMC. Mais da metade dos diabéticos não são obesos mórbidos
e existem mecanismos de controle da doença inicialmente independentes da perda
de peso, cirurgia bariátrica é igual a cirurgia para o diabetes mellitus tipo 2
ou metabólica? A resposta é não!
A partir da identificação em
diabéticos obesos mórbidos que tiveram suas taxas de glicemia normalizadas após
a cirurgia bariátrica (para obesidade) sem relação direta com a perda de peso,
mas por meio de mecanismos que atuam diretamente sobre o DMT2, começaram uma
série de estudos clínicos para avaliar a viabilidade da realização deste tipo
de cirurgia em diabéticos não obesos mórbidos.
Os resultados apontaram que
pacientes que apresentam condições clínicas de deficiência na função
pancreática em produzir insulina, resistência dos tecidos a ação da insulina
com dificuldades em manter o tratamento medicamentoso, podem se beneficiar do
tratamento cirúrgico, criando-se então a definição de cirurgia metabólica ou
cirurgia do diabetes tipo 2. Pode-se definir que as intervenções sobre o tubo
digestivo que tem controle do DMT2 quase que imediatamente no pós operatório,
através de diversos mecanismos diretos contra a doença, inicialmente sem
relação como a perda de peso, são chamadas de operações metabólicas, onde a perda
ponderal que ocorre a longo prazo é um excelente efeito colateral. As cirurgias
bariátricas são aquelas indicadas para aqueles indivíduos que tem complicações
devido ao peso elevado, como doenças articulares, hérnias de disco , refluxo
ácido do estômago para o esôfago e etc. As intervenções metabólicas ou para o
diabetes tem como objetivo primário o controle do DMT2 e suas complicações em
nada tem a ver com o IMC do paciente, mas sim com a gravidade e controle
inadequado do DMT2, independente do IMC, seja ela acima ou abaixo de 35 kg/m².
Cirurgia metabólica ou do diabetes trata primariamente o DMT2 e as condições
que vem junto, como hipertensão, colesterol e triglicérides elevados.
Indicações para a cirurgia do diabetes tipo 2
Nos casos dos obesos mórbidos,
importantes estudos comprovam a eficiência da cirurgia bariátrica, que diminui
de forma importante os riscos de complicações e desenvolvimento do diabetes ao
longo dos anos. Apenas 10% dos pacientes operados desenvolvem a doença durante
os 10 e 15 anos pós-operatórios, contra 95% dos não operados que seguem
programas não cirúrgicos de controle da doença. E fundamentalmente, diversos
estudos epidemiológicos mostraram diminuição de até 92% da mortalidade
relacionada ao diabetes no grupo operado, num seguimento de até 16 anos.
Em relação à cirurgia em
diabéticos não obesos mórbidos, os resultados também são promissores. A
mortalidade em diabéticos é predominantemente secundária às complicações
cardiovasculares, e em aproximadamente um ano de pós-operatório existem
evidências do controle da progressão da doença vascular no grupo operado, o que
sugere que a cirurgia corretamente indicada diminui a mortalidade dos
diabéticos tipo 2 submetidos ao tratamento operatório. Pesquisas de nosso grupo
se integram ao consenso de que IMC o pré-operatório não revela precisamente a
severidade do diabetes, seu poder de causar complicações e os mecanismos da
doença. Ademais, outros fatores como idade, gênero, histórico do diabetes e
perda de peso pós-operatória não têm sido determinantes na remissão da doença.
Muitas pesquisas realizadas e
em andamento no Brasil e no exterior reforçam a diretriz da Federação
Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês), que recomenda a cirurgia
para pacientes com IMC a partir de 30 kg/m², contanto que seja diabético ou
tenha predisposição à doença e apresente riscos cardiovasculares. A diretriz,
publicada em março de 2011, contou com o apoio de mais de 200 entidades médicas
de 160 países.
As normas nacionais e
internacionais em vigor restringem a indicação da cirurgia bariátrica e
metabólica para pacientes com IMC a partir de 35 kg/m² com doenças associadas
ou acima de 40 kg/m², sem a presença obrigatória de outras enfermidades. Esse
critério se mantém há 20 anos, com base no consenso da agência norte-americana
National Institutes of Health (NIH) e no Brasil é estabelecido pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM) através da Resolução 1974, de 2010.
As indicações para as
cirurgias metabólicas, livres das restrições do IMC como único parâmetro para
indicação tem sido ampliadas. A agencia reguladora das práticas médicas
britânica (NICE) há 6 meses modificou seus critérios de indicação de tratamento
cirúrgico para os portadores de DMT2 sem controle clinico adequado, reduzindo o
IMC para 30 kg/m2.
As diretrizes nacionais do CFM
são antigas, baseadas em consensos internacionais de 1991, onde não existia a
cirurgia por laparoscopia, menos invasiva, e não se conhecia a ação das
operações sobre o tubo digestivo para o controle do DMT2.
Contraindicações da cirurgia do diabetes tipo 2
São pouco comuns as
contraindicações absolutas para cirurgias metabólicas. As principais são
pacientes portadores de diabetes autoimune (aquela que o próprio organismo
produz anticorpos contra as células beta do pâncreas que produzem insulina),
diabetes do tipo 1 e em diabéticos tipo 2 com doença muito avançada onde o
pâncreas não tem reserva de células beta que produzem insulina.
Doenças psiquiátricas, com
exceção de pacientes psicóticos descompensados, não são contraindicação de
cirurgias para o diabetes (nem mesmo para as bariátricas).Outra contraindicação
é para aqueles enfermos com reservas funcionais cardiopulmonares reduzidas que
o impossibilitem de suportar qualquer intervenção sob anestesia geral.
Exames necessários para realizar a cirurgia do diabetes tipo 2
Os exames de avaliação geral
para qualquer cirurgia como os da coagulação, hemograma, função renal, entre
outros, são sempre solicitados. Regularmente solicita-se também exames de
sangue para se estimar a reserva das células beta do pâncreas que produzem a
insulina. Também avalia-se a reserva cardíaca e pesquisa-se através de teste
ergométrico ou cintilografia miocárdica qualquer sinal de doença das
coronárias, frequentes nos diabéticos. O diabetes também é responsável por
doenças dos pequenos vasos do rim, retina e dos nervos periféricos e tudo isso
deve ser verificado no pré-operatório e compensado se necessário.
Outros exames de imagem como o
ultrassom e abdome deve ser solicitado e as vezes a elastografia do fígado, que
pode auxiliar no diagnóstico de fibrose hepática decorrente do diabetes. Sempre
rotineiramente é solicitada uma endoscopia digestiva alta, já que o estômago
será parte da cirurgia.
Cuidados antes do procedimento
Os pacientes diabéticos
gravemente descompensados, com glicemias muito elevadas e com a hemoglobina
glicada (mede indiretamente as glicemias dos últimos 2 a 3 meses) também
elevada, acima de 10%, devem ser tratados intensamente antes de serem operados.
Essa intervenção agressiva para controlar a glicemia melhora muito a evolução
pós operatória.
Em pacientes em uso de
remédios anticoagulantes (popularmente e erroneamente conhecidos como drogas para
"afinar o sangue") devem tê-los suspenso 7 dias antes das operações.
É rotineiramente orientado o jejum pré-operatório por 8 horas.
Como a cirurgia do diabetes tipo 2 é realizada
As operações metabólicas mais
realizadas são a derivação gastrojejunal em Y de Roux ( bypass em Y de Roux) e
a gastrectomia vertical. A segunda tem a médio/longo prazo menos efetividade
para o controle do diabetes tipo 2. O bypass em Y de Roux tem imediatamente
ações anti diabéticas diretas, independentes da perda de peso que é um
excelente e esperado efeito colateral das operações. lembrem-se que as
operações para o diabetes, independentes do IMC do paciente tem como objetivo
primário o controle da doença.
As operações são sob anestesia
geral, por videolaparoscopia, com entre 4 a 5 pequenas incisões que variam de
0,5 a 1,2 cm. A média de duração das cirurgias é de 45 a 60 minutos. Obviamente
na rara eventualidade de uma complicação intra operatória, esses procedimentos
podem ter maior duração. O tempo médio de internação é de 48 horas.
Qual médico realiza a cirurgia
Os cirurgiões gerais e do
aparelho digestivo atualmente podem fazer as operações metabólicas e
bariátricas, desde que comprovem treinamento nas técnicas.
O ideal é sempre procurar um
cirurgião membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
(SBCBM), que tem comprovação de treinamento e de estar atualizado nesse tema
que tem constantes novas descobertas de seus benefícios.
A SBCBM, em conjunto com o
Colégio Brasileiro de Cirurgiões e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva,
solicitou junto à Comissão Mista de Especialidades do Conselho Federal de
Medicina, que a cirurgia bariátrica e metabólica fosse alçada à Área de
Atuação, tornando-a uma sub especialidade da Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo.
No final de 2014, essa solicitação foi aprovada, restando os tramites
burocráticos finais. Isso significará médicos mais treinados e selecionados e
maior segurança aos pacientes.
Cuidados após a cirurgia
Hoje em dia, em centros de
alto volume cirúrgico e que contam com cirurgiões experientes, as operações são
relativamente rápidas, durando de 50 a 90 minutos. Após o final, os pacientes
são encaminhados acordados para a ala de recuperação pós anestésica, onde ficam
em geral cerca de uma hora. A grande maioria dos pacientes vai imediatamente
para o quarto. Às vezes, dependendo da gravidade das doenças associadas, as
primeiras 24 horas são passadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em nosso
grupo, a média de internação em UTI é menor do que 0,5%. A internação
hospitalar varia de 36 a 48 horas.
A dieta no pós-operatório
Normalmente o paciente é
alimentado no primeiro dia de pós-operatório com dieta líquida, fracionada,
para que exista uma adaptação à vida nova. Com a orientação multidisciplinar,
contando com cirurgião, clínico e nutricionista, serão explicadas maneiras e
tipos de alimentos liberados para essa primeira fase. A duração da fase líquida
é de 7 a 10 dias, permitindo-se então um progresso para dieta mais
cremosa/pastosa e ao redor dos 25/30 dias depois da cirurgia, acontece a
transição para comida normal.
Nesse primeiro mês, um fato
inédito para os obesos costuma acontecer, que é o estímulo à ingestão, já que
existe uma sensação de saciedade e também existe a obrigação de se manter
hidratado e consumindo um mínimo de calorias (por volta de 600 a 1000 por dia).
Desde a primeira semana, os pacientes em pós operatório devem iniciar a
suplementação vitamínica, que é necessária pois existe ingestão de menor
quantidade de alimentos, já que na gastroplastia em Y de Roux não há má
absorção importante de nutrientes. Também nas primeiras 3 semanas, prescreve-se
antiácidos como a ranitidina, em forma líquida, para diminuir efetivamente a
taxa de formação de úlceras no novo estômago. O uso desse tipo de drogas,
associado a pequenas modificações da técnica operatória trouxe esse índice a
cerca de 1%. Analgésicos são prescritos se necessário e não de horário e
normalmente são drogas simples como a dipirona e paracetamol. A média de
retorno ao trabalho com o acesso videolaparoscópico (de 7 a 10 dias após a
operação) é muito menor que na operação convencional. Exercícios, quaisquer que
sejam, são liberados a partir de 21 a 30 dias de pós operatório, desde que a
operação tenha sido por videolaparoscopia.
Uma particularidade das
operações para o diabetes é que devido a já comentada ação antidiabética
direta, principalmente do bypass em Y de Roux, a resistencia dos tecidos à ação
da insulina diminui imediatamente após a operação por diversas causas
fisiológicas inerentes ao procedimento. Assim, existe rápido ajuste das doses
das drigas anti diabeticas e das doses da insulina. Em nosso Centro de
Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a média de suspensão de
uso e insulina, independente do IMC pré-operatório do paciente é de 22 dias.
Ressalta-se que a cirurgia para o diabetes não tem como objetivo primário a
suspensão de toda e qualquer medicação para o diabetes tipo 2, mas sim
controlar rapidamente essa enfermidade crônica, progressiva e devastadora.
Finalmente, as operações
metabólicas, quando indicadas adequadamente, trazem consigo muitas vantagens e
com recuperação rápida e retorno precoce à vida normal. Em resumo, pouco
sofrimento para imensuráveis benefícios clínicos e de qualidade de vida.
Os riscos da cirurgia do diabetes tipo 2
A mortalidade após as
cirurgias metabólicas ou para o DMT2 é muito pequena. Desde que as operações
sejam realizadas por equipes experientes em hospitais de bom porte, o índice de
mortalidade é de 0,315% número comparável à mortalidade após retirada de uma
vesícula biliar,uma operação corriqueira.
Existem complicações destas
operações que causa maior preocupação no pós-operatório da derivação
gastrojejunal em Y de Roux. É o vazamento da sutura com o grampeador na junção
do estômago com o intestino delgado, as chamadas fístulas, que ocorrem em uma frequência
muito baixa, entre 0,09 % e 0,1%. Para identificar essa complicação, a equipe
cirúrgica avalia rotineiramente 2 e 3 vezes por dia o paciente enquanto
internado. Essas complicação pode eventualmente até merecer reoperação para o
seu tratamento.
Outras complicações são a
trombose venosa das pernas e a embolia pulmonar cujo risco cai próximo a zero
com a utilização com medidas anti-trombose, com as meias elásticas e sistemas
de compressão.
Obstruções no intestino podem
ocorrer precocemente porém são muito raros cerca de 0,08% a 0,1% apos operações
metabólicas e finalmente sangramentos de dentro da cavidade abdominal, que são
inerentes a qualquer operações, também ocorrendo em índices muito pequenos
próximos a 0,05% .
Como complicações tardias,
existem raras descrições de desnutrição que acontecem em 1 a cada 1000
derivações gastrojejunais realizadas. Fundamentalmente esses pacientes devem
ser seguidos para exames de controle de seu diabetes, mesmo em remissão
completa.
Tratamentos pós-cirurgico
Quanto maior a glicemia dos
pacientes, menos insulina é produzida pelo seu pâncreas. Essa situação se chama
glicotoxicidade. Como mencionado acima que o controle da glicemia deve ser
feito com cuidado antes da cirurgia para se ter maior benefício, o mesmo raciocínio
se aplica na fase de pós operatório. A equipe médica, com os cirurgiões e
endocrinologistas formam um time coeso. Ambos trabalham em conjunto para o
controle estrito glicêmico pós operatório para um melhor resultado a longo
prazo, visando a remissão completa do diabetes.
Regulamentação
Quem regulamenta a prática
médica no Brasil é o Conselho Federal de Medicina (CFM). As diretrizes
nacionais do CFM são antigas, baseadas em consensos internacionais de 1991,
onde não existia a cirurgia por laparoscopia, menos invasiva, e não se conhecia
a ação das operações sobre o tubo digestivo para o controle do DMT2.
Existe atualmente um esforço
conjunto das Sociedades Nacionais de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e de
Endocrinologia para buscar uma nova diretriz que possa beneficiar os portadores
de DMT2 não controlados com remédios para que tenham acesso ao tratamento
cirúrgico. Fonte: minhavida
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